Em nome dos Pais

“Honra teu pai e tua mãe, para que se prolonguem os teus dias na terra que o SENHOR, teu Deus, te dá.” (Ex 20.12) Os mandamentos bíblicos estão cada vez menos em cena. Especialmente este é ignorado com tamanha frequência, que poderia dizer que nossos jovens estão morrendo e a sociedade padece com tanta violência por não se honrar mais pai e mãe.
Ler o livro do Matheus foi ver um filho honrando a seus pais. Na leitura você descobre que o passado de seus pais tem um peso tão grande na vida de Matheus, que toda a sua história tem a ver com o livro. Em suas páginas, percebemos que as mazelas causadas pela ditadura a seus pais o afetaram diretamente. Interessante que, olhando para trás, percebo o motivo para algumas coisas.
Matheus e eu estudamos juntos no segundo grau no Objetivo da 913sul, em Brasília. Naquele tempo, ele era um jovem introspectivo, ainda que muito sociável e companheiro. Perdi as contas das caronas que me deu, ainda que eu lembre uma em especial quando, numa noite chuvosa, batemos em um Chevette prata, que nem parou para ver o que se passou – boa coisa não era. Sua forma de falar, sua linguagem corporal e seu olhar foram desvendados na leitura do livro. Realmente, havia algo lá, uma busca, uma necessidade de descoberta e não era uma autodescoberta. Seu olhar estava sempre em busca...
Ser afetado desta forma pela história dos pais é significativo e sintomático. Muitos filhos, quando não conseguem entender algo de seus pais se revoltam, voltam-se contra seus pais, Matheus não. Ele voltou-se para seus pais. Ficou curioso e queria descobrir a razão de todas as coisas que faziam sombra sobre seu relacionamento com eles. Ao invés de revoltar-se, honrou e buscou para mais perto de si aquilo que seus pais tanto abafaram e tentaram – ainda que em vão – lançar para longe.
Essa busca honra a seus pais, pois parte da humildade. Filhos, por vezes, ao desonrarem seus pais, lutam por mostrar o quanto são independentes e o quanto seus pais são desnecessários. Lendo o Em nome dos pais, vi um filho deixar claro a seu pai e sua mãe que eles importam, que eles o afetam, que parte de sua vida se constrói com base na deles. A partir disto, o jornalista se funde com a matéria e relata fatos sobre a história da ditadura militar e sobre si. Isso mostra que a história é dinâmica e orgânica e não apenas fatos frios. Mostra também que a história tem versões e aversões – estas escondidas e registradas em documentos, ou apenas na memória de uns poucos.
A narrativa do livro rompe com a ideia de um jornalismo isento. Matheus abre o coração, para descrever sua busca por pessoas que possam deixar patente que a ditadura militar torturou militantes que não pegaram em armas e não representavam um risco à segurança nacional. Seu desejo não é o de vingar-se, mas do reconhecimento de que a dor e as crises de um filho não são fruto de invenções e mentiras. Ele deseja o reconhecimento de que a tortura ecoou e que a consideração de um pedido de desculpas trará um pouco de humanidade a tudo isso que já não pode ser mudado.
Quando ele me falou de seu livro, disse-me que era sobre Deus. Pensei que ele poderia querer me conectar ao livro, por eu ser pastor. Não! Ao transcorrer da narrativa, percebe-se que a graça de Deus tem conduzido o coração deste filho. Em várias situações a fé e o evangelho são os fios condutores de Matheus, ajudando-o a lidar com a situação com o espírito de perdão.
Parte do livro é uma busca por documentos. Outra parte, uma busca por pessoas envolvidas nas torturas de Marcelo Amorim e Miriam Leitão. Entre achados e descobertas, Matheus fica frente a frente com pessoas ligadas ao sofrimento de seus pais e ao próprio. Suas palavras são medidas e seu interesse vai além de si: ele quer honrar aqueles que sofreram. Nomes vão se juntando ao passar das páginas, mostrando que a honra dada a seus pais alimenta a honra a ser dada a tantos outros que sofreram.


É uma leitura agradável e importante. Faz-nos lembrar de que as pessoas que sofreram têm nome. Faz-nos lembrar da importância de nossos pais. Especialmente, nos faz lembrar que, quando erramos muito, quando passamos muito do limite, nada conserta, mas um pedido de perdão afaga a alma.

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