Por que sofrer é importante?

Todos que sofrem, imagino eu, se fazem a pergunta: por que? A dúvida é tão profunda e a dor, por vezes, tão visceral, que pensamos não merecer o que passamos. Mais do que isso, muitos blasfemam e duvidam da ação de Deus em suas vidas. O humorista Chico Anisio, após a morte do filho da atriz Cecília Guimarães, disse não crer mais em Deus, pois, como pode ele permitir que algo tão terrível aconteça com um menino tão bom.

O fato é que o ser humano não costuma lidar bem com o sofrimento. Sempre achamos que não somos merecedores das dores. Interessantemente, nessas horas encaramos Deus como um “evitador de sofrimentos”; ele é alguém que existe para me proteger das situações de dor e garantir que as lágrimas não me cheguem aos olhos.

Para qualquer um com o mínimo de conhecimento sério da Bíblia, tudo isso é um absurdo, embasado numa teologia humanista, bem antropocêntrica. De fato, uma epistemologia capenga, ou antropocêntrica, nos conduz a essa visão, na qual o Criador se volta para a criatura, ao invés de, a criatura servir aos propósitos do Criador. Daí, você poderia perguntar como pode um Criador bom, trazer o sofrimento a sua criatura. A dúvida revela justamente a noção antropocêntrica, na qual o homem só vê seu bem estar e se esquece de que a vontade de Deus vai muito além do bem estar humano.

Deste modo, é salutar que entendamos porque sofrer é importante. Se cremos num Deus soberano, que criou para uma razão, temos de confiar em sua infinita sabedoria e descansarmos no fato de que o sofrimento tem seu lugar. Por isso, vejamos algumas razões para que o sofrimento seja importante.

1. Dá-nos uma clara noção de quem nós somos:

Certa vez ouvi o apologista, Ravi Zacharias, falando sobre a infidelidade do homem em relação a Deus. Esta, segundo ele, não se torna mais próxima nos tempos difíceis, necessariamente. É quando estamos bem, com uma vida repleta de prazeres e realizações, que costumamos abrir mão de nossa fé e depositamos nossa confiança, esperança e significado nessas coisas.

A história de Israel é um exemplo deste ponto. Quando estavam num momento de prosperidade, com o território crescendo, a riqueza se acumulando e os corações cheios de alegria, eles temeram que tudo isso chamasse a atenção das outras nações. Com medo de serem invadidos, buscaram segurança não no Senhor, mas na diplomacia. Fazendo acordos de paz e mútuo apoio com as nações vizinhas, Israel buscou proximidade com quem não devia. Não demorou muito e começaram a se familiarizar com os costumes, mulheres, religiões e deuses destas nações.

Graças a luxúria e falta de sabedoria de Salomão, a infidelidade se instalou em Israel e aquela nação, até os dias de hoje, nunca mais foi a mesma. Por outro lado, todo o sofrimento decorrente obrigou Israel a olhar novamente ao Senhor – pelo menos, o remanescente fiel. Quando o plano de mútua cooperação com as outras nações falhou, o povo teve de lembrar daquele que os havia tirado do Egito e conduzido pelo deserto.

Com todo esse sofrimento, o povo começou a entender melhor sua posição diante de Deus. Não era uma boa idéia ignorá-lo e melhor ainda não esquecer de quem se é. O fato foi que Israel aprendeu com o sofrimento duas coisas muito importantes: não temos o controle de nossas vidas e somos dependentes.

1.1. Não temos o controle de nossas vidas

Apesar de todos os esforços, Israel não conseguiu evitar o sofrimento. Acordos, associações e aproximações não formam suficientes para evitar seu maior temor: invasão. Ainda que as nações vizinhas tenham mantido o acordo, Israel não contou com vinda de uma nação distante, tão poderosa, que nem a união de todos os seus aliados seria o bastante para dete-la.

Por mais que Israel (neste ponto já dividido entre Sul, Judá e Norte, Israel) tenha se empenhado, eles não puderam evitar a invasão. Todos os seus esforços foram insuficientes para afastar o sofrimento. Assim somos nós. Lutamos para não sofrermos para, no fim, sofrermos. Não temos o controle de nossas vidas e dispensar tanto empenho para se evitar algum temor, via de regra, nos conduz a outros sofrimentos, pois paramos de atentar para o que é mais importante: Deus.

Não que nos esqueçamos dele de todo, afinal, confiamos que ele irá nos dar o que pedimos. Acreditamos que ele está ai para evitar que soframos e o que mal venha sobre nós. Assim, nos empenhamos em orações, correntes, medidas e desmedidas para afastarmos a possibilidade de que nossos temores se tornem realidade. Ainda que obtenhamos sucesso quanto a este temor, outras causas de sofrimentos tomam lugar em nossas vidas, nos levando à dura realidade de que não temos controle de nossas vidas e que o sofrimento é uma realidade inevitável num mundo caído.

Sofrer nos ajuda, portanto, a sermos mais humildes. Quando sentimos dor, lembramos de nossa pequenez e de que nada está em nossas mãos, pois, mesmo com todas as precauções tomadas, o sofrimento se faz presente em nosso dia a dia. Assim, percebemos que somos incapazes de nos manter sozinhos e que não podemos andar sem um apoio, algo, ou alguém que nos conduza e nos sustente por esse mundo caído e cheio de dor. Daí, nos deparamos sobre a segunda realidade sobre nós mesmos, a qual o sofrimento nos ajuda a vislumbrar: somos dependentes.

1.2. Somos dependentes

Devido à nossa incapacidade de evitar o sofrimento, a sensação de que se estar sozinho não é uma boa idéia vai tomando conta. Percebemos que nossa inteligência, nossas medidas e nosso empenho não é suficiente para nos manter nessa realidade tão dura. Não demora muito, e concluímos que precisamos de alguém. Precisamos de alguém que nos sustente, aconselhe, ore, ilumine, proteja, enfim, ficar sozinho é que não dá.

Quando estamos bem, dificilmente nos lembramos dessa realidade. Na verdade, nosso comportamento, geralmente, é o de nos sentirmos auto-suficientes e capazes. Em nosso ego, alimentamos um complexo de super-homem que tudo pode e nada atinge. Neste ponto, é desejável que logo venha o sofrimento, antes que a ilusão tome conta de vez, e nos faça enxergar que não somos tão grandes assim e que precisamos de outros.

Digo outros, pois, como iremos ver adiante, não é somente Deus quem nos apóia em meio ao sofrimento. Irmãos, família e amigos são importantes e nos servem de apoio. É claro que entendo que todos eles são usados pelo Senhor para nos ajudar, mas isso não os torna menos importantes, para nos mostrar o quanto somos dependentes.

Quando este fato se torna claro, nossa humildade é melhor construída e nossa visão de nós mesmos é menos distorcida. Não temos o controle de nossas vidas, estamos nas mãos do Criador. Certamente que uma ajudinha não cai nada mau em tempos de aflição, afinal, quem não precisa de ajuda – e nada melhor que o sofrimento para deixar isso bem claro.

2. Faz-nos enxergar a realidade em que vivemos

Outro papel que o sofrimento exerce em nossas vidas é o de nos lembrar a realidade em que vivemos. Não sofrer é uma possibilidade remota em nosso mundo e, quando alcançada, na verdade, significa viver uma vida fora da realidade dura em que vivemos. Desta forma, aqueles que não sofrem as mazelas desta vida, vivem, literalmente, num faz de conta.

Sofrer nos ajuda a entender que a vida não é fácil; que as coisas não estão à nossa disposição; que as pessoas tem suas próprias vidas e que não somos os únicos com problemas. De fato, viver sem sofrimento é viver se enganando, pois, o sofrimento está lá, se não o vivemos é porque o ignoramos, como se ele não existisse. Essa atitude é esperada de uma criança que não pode suportar a falta de seu brinquedinho, o “não!” do papai, ou até algo realmente sério. De pessoas adultas, esperamos que encarem de frente os problemas e que já tenham aprendido há tempos que a vida não é fácil.

O sofrimento, portanto, é um banho de realidade. Aliás, um banho necessário nesse mundo caído e cheio de maldade. Não podemos andar como se os problemas não existissem. Lembro-me de uma irmãzinha lá de Brasília, que num momento difícil de minha vida me cumprimentou perguntando se estava tudo bem. Respondi que mais ou menos, pois estava com algumas preocupações em mente. Com um sorriso maroto, ela me disse: - “Que isso, irmão?! Crente não tem problemas!” Passei alguns minutos tentando entender de onde ela tirou idéia tão absurda e mostrando exemplos da Bíblia de que crente passa por muitas dificuldades.

Foi impossível tirar tais ideias da referida irmã. A IURD já a tinha doutrinado muito e o pouco tempo que ela passava em minha igreja não iria fazer tanta diferença. Contudo, devido às ironias da vida, e ao plano divino, passado alguns anos, encontrei-a em Caldas Novas - GO. Quando ela me viu, correu e pulou no meu colo aos prantos. O exagero da cena era na medida das dificuldades que ela passara até aquele dia e, segundo ela, a pequena conversa que tivemos num relance em minha igreja foi fundamental para que ela não perdesse a fé.

Casos como esses mostram como fugir da realidade do sofrimento pode nos conduzir a um mundo de ilusões. O problema nem é tanto viver a ilusão, mas dar de cara com a realidade, pensando que a vida é um mar de rosas. Não é à toa que muitos blasfemam, se desesperam e até perdem a fé, afinal, viviam num mundinho sem sofrimento, com a consciência de que Deus estava lá, pronto para evitar que qualquer mal lhes sobreviesse. Quando isso se mostra uma falácia, a tendência é a desorientação devido à falta de experiência de como lidar com o sofrimento e à falta de entendimento das verdades bíblicas.

Sofrer, portanto, nos leva direto à realidade caída em que vivemos. Viver essa realidade, ainda que duro, é necessário. Viver em ilusões é fadar-se à mentiras e a deturpar o papel de Deus em nossas vidas, para que ele se encaixe nessa visão distorcida das coisas. A partir disto, vemos que o sofrimento também é importante para nos mostrar a qualidade de nossa fé.

3. Mostra-nos a qualidade de nossa fé

Na medida em que prosseguimos nesse texto, vemos diversas sinalizações da relação sofrimento e fé. De fato, não é difícil encontramos nas Escrituras exemplos de que a fé é avaliada por meio do sofrimento. Casos como o de Jó, Davi, Paulo e os irmãos da diáspora, mencionados em 1 Pedro, são evidências deste ponto.

Em 1Pedro 1, vemos o apóstolo se comunicando com irmãos que passavam por momentos duros. Ameaçados pela perseguição apoiada por Nero, muitos cristãos partiram para vários cantos distantes do epicentro do cristianismo, Jerusalém, a fim de fugirem da morte certa. A fim de confortar e motivar aqueles irmãos, Pedro mostrou que passar por aquele sofrimento era um momento significativo para a fé. Mais do que sobreviverem, para o apóstolo o mais importante é que eles se mantivessem fiéis, com os olhos fixos na herança que temos em Cristo, pois, se de fato cremos, temos nela algo mais valioso que a própria vida.

Nas palavras de Pedro, aqueles tempos de aflição e sofrimento apurariam a fé de nossos irmãos como o fogo apura o ouro. De fato, quando os tempos são ruins e a fé não é “das boas”, suas coisas são as primeiras a serem abandonadas. Abandonamos nossas convicções teológicas; abandonamos nosso exercício de piedade: oração, culto, comunhão e etc; abandonamos, por fim, o Senhor.

Costumo dizer que a coisa mais importante nos tempos difíceis não é fazê-los irem embora, mas manter-se fiel ao Senhor. Nos tempos bons, confiamos em nós mesmo e esquecemos de Deus. Nos tempos difíceis, assumimos uma atitude autocomiserativa, nos achamos bons de mais para sofrer e negamos a Deus. É uma cadeia mais trágica do que aquilo que nos faz sofrer em si e que pode mostrar que nossa fé não é tão valiosa o quanto deveria.

Por outro lado, quando a fé prevalece, seu valor se torna evidente. Quando nos mantemos fieis, glorificamos a Deus. Lembre-se de nossos três irmãos na fornalha. Nabucodonosor os viu com o anjo e glorificou a Iavé, pois aqueles jovens foram fiéis, preferiram enfrentar a fornalha e prevaleceram. No entanto, a fé não se mostra valorosa só por meio de vitórias – basta lembrar de Paulo, Estevão, John Huss e outros mártires que mostraram o valor de sua fé pagando com a própria vida.

Para Pedro, o importante não era prevalecer sobre as dificuldades, mas prevalecer na fé. O valor disto seria demonstrando pela glória e honra a Cristo em sua volta – isso é interessante, pois o valor pode não ser claro agora, mas certamente o será na segunda vinda, o que é uma péssima notícia para os imediatistas, que pensam que as coisas da fé são para já. Uma fé de qualidade se mostra firme no sofrimento e redunda em glória, honra e louvor ao autor e consumador da fé.

3.1. É oportunidade de testemunho

Dentro deste aspecto, então, podemos ver que o valor de nossa fé é algo que também nos leva ao testemunho. Permanecermos firmes no Senhor, mesmo em meio às dificuldades mais atrozes, demonstra a grandiosidade de nosso Deus. Se mesmo em meio ao tempo mais terrível mostramos que não há o que nos separe dele, testemunhamos ao mundo que não sofrimento que se compare à companhia de nosso Pai celestial.

O sofrimento, então, é uma dura forma de testemunho, mas muito valiosa. Com este nível de testemunho, incentivamos outros a abraçarem com ainda mais profundidade a fé. Pense, ou conheça histórias sobre irmãos martirizados por suas convicções de fé. Já dei alguns nomes aqui, os quais inspiram por sua coragem e devoção a Cristo, mesmo diante da morte.

Ao mostrarmos, portanto, o valor de nossa fé, estamos, ao mesmo tempo, testemunhando ao mundo. As pessoas poderão ver nosso apego pelo Senhor e desejarem entender o por que de tanta fé, mesmo quando ela não nos impede de sofrer. No sofrimento, busque mostra o valor de sua fé, fazendo com que pessoas conheçam o amor que supera as circunstâncias mais terríveis. O melhor disso tudo, é que, à medida que testemunhamos, percebemos que não estamos sozinhos e experimentamos outra razão para que entendamos o sofrimento como algo importante a nós: traz união entre os irmãos.

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