Caídos até a morte; prisioneiros da morte


A páscoa está chegando e muitas distorções da necessidade da encarnação de Cristo são vistas em nossas igrejas. Alguns tornam sua vinda apenas uma questão de mostrar, humanamente, um exemplo de amor. Isso vem de uma compreensão ruim de nosso estado, ou melhor, dos efeitos do pecado em nossa vida.

Na compreensão de muitos, o homem tem capacidade, em si mesmo, de dizer sim a Deus. Isso faz da obra de nosso Redentor um abrir de portas, mas não a salvação propriamente dita, pois, no final, é o sim do pecador que o salva, para, então, ele atravessar a porta. É claro que isso inclui questões de livre arbítrio e predestinação, mas gostaria de olhar pelo prisma dos efeitos do pecado em nossa vida.

Em Efésios 2.1-3, vemos Paulo falando desses efeitos de modo devastador para a existência humana. É interessante notarmos o peso de suas palavras:

Ele vos deu vida, estando vós mortos nos vossos delitos e pecados, nos quais andastes outrora, segundo o curso deste mundo, segundo o príncipe da potestade do ar, do espírito que agora atua nos filhos da desobediência; entre os quais também todos nós andamos outrora, segundo as inclinações da nossa carne, fazendo a vontade da carne e dos pensamentos; e éramos, por natureza, filhos da ira, como também os demais.

Perceba que o texto nos chama, antes de tudo, de mortos. Esta morte, obviamente, se refere à morte espiritual, ou ao afastamento do homem de seu criador. Já ouvi um pastor arminiano dizer que esse morto não é morto de morto, mas uma figura de linguagem para falar de um estado muito profundo de queda. Temo ter de discordar dos que assim pensam, pois todo o texto aponta para o fato de que Paulo quis mostrar que estamos espiritualmente incapacitados de andar segundo a vontade de Deus.

Quando observamos de perto os verbos do texto, percebemos isso de modo muito claro. Repare que tudo o que é dito se referindo à vida está na voz passiva ao homem. Deus nos deu vida; verso 6 diz que ele nos ressuscitou e nos fez assentar nos lugares celestiais. Por outro lado, tudo que se refere ao morto é colocado de na voz ativa quanto ao homem. O homem está morto; andou (quando se fala de um regenerado, é claro) nos delitos e pecados e segundo o curso deste mundo e etc. Também nos diz que fazíamos a vontade da carne e dos pensamentos e éramos filhos da ira.

É muito clara a distinção que Paulo fez aqui. Enquanto estávamos capacitados a fazer coisas próprias de um morto espiritualmente, em resumo, pecar, estávamos incapacitados de fazer coisas de vivos, isto é, obedecer a voz de Deus. O efeito do pecado é tão devastador que é chamado de morte, e isso não é uma hipérbole, mas uma exata descrição de nosso estado. Nesse estado, estamos totalmente impossibilitados de agir diferente da vontade da carne e de uma mente corrompidas e da vontade do inimigo, ou do príncipe deste mundo. Isso é morte! Não uma figura de linguagem. Assim como um morto está incapaz de agir como um vivo, está o caído sem a graça de Deus, incapaz de responder ao chamado da graça.

Todo esse pensamento foi desenvolvido para um propósito. Tal se mostra evidente nas palavras do verso 8: “Pela graça sois salvos, mediante a fé; e isto não vem de nós; é dom de Deus.” Não importa o que está sendo chamado de dom de Deus, seja a salvação, ou a fé, em ambos os casos aquilo que é necessário para que o caído haja como um vivo vem de Deus. Contudo, o intuito de Paulo é o de mostrar que, de modo algum, o ser humano é parte ativa em sua salvação. De fato, ele é passivo, por estar morto.

Tudo isso complementa o capítulo 1, que ressalta a soberania de Deus. Naquele texto, vemos Paulo mostrando que o Senhor, desde a eternidade, vem trabalhando a salvação do homem, para que tudo convirja a Cristo. Isso significa que a salvação pela graça é uma obra iniciada na eternidade, que existe para a exaltação do Filho de Deus. Esse ponto é muito importante para que entendamos nossa passividade em toda essa obra. Também foi importante para Paulo mostrar a gentios e judeus convertidos ao cristianismo, que todos, sem a graça da obra de Jesus, estariam no mesmo estado de incapacidade, portanto, quer judeus, quer gregos, todos precisam UNICAMENTE do Redentor.

Na páscoa, não estamos no momento de pensar unicamente que Jesus morreu. Temos, verdadeiramente, a obrigação de o reconhecermos como único autor de nossa salvação, a quem toda glória é dada e em nada é dividida com nossa vontade aprisionada no pecado. Como nosso próprio Salvador nos disse: “todo aquele que comete pecado é escravo do pecado” (Jo 8.34); o que nos leva a crer que estar morto em Paulo é o mesmo que estar incapacitado de ir para a vida.

Diante disto, temos de crer que nossa vontade é a de morto espiritual, escravizado pelo pecado e que somos libertos, ou ressuscitados espiritualmente pela graça em Cristo Jesus. Desta feita, somos libertos e capazes, pela fé, de desfrutar dos efeitos da obra de regeneração. É a partir desta obra que podemos dizer o sim. A páscoa, portanto, aponta para um salvo que disse sim a Deus, não de um morto e escravizado que foi salvo por dizer sim a Deus.

Solo Christus, Sola Fide, Soli Deo Gloria

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